segunda-feira, 22 de junho de 2009

Questões Étnico-Raciais em sala de aula

“O brasilíndio como o afro-brasileiro existiam numa terra de ninguém, etnicamente falando, e é a partir dessa carência essencial para livrar-se da ninguemdade de não-índios, não-europeus e não-negros que se vêem forçados a criar a sua própria identidade étnica: a brasileira”. (Darcy Ribeiro - 2000)

A execução em sala de aula do planejamento do Enfoque 5, deu-se em mais tempo do que as oito horas exigidas, continuando ainda em processo, visto que as atividades vão-se expandindo e é necessário mais tempo.

“A escola hoje precisa instigar a origem étnica daquele que não é mencionado, que fica à margem” conforme falam as autoras Ana Maria Petersen, Maria Aparecida Bergamaschi e Simone Valdete dos Santos.
Após as reflexões e leituras dos enfoques temáticos, apresentei meu planejamento à supervisão da Escola Dietschi, onde trabalho, solicitando que me oportunizassem colocar esse planejamento para as outras duas professoras do turno, onde trabalhamos com os anos iniciais dessa escola. Foi muito bem recebida minha proposta, e logo na semana seguinte então apresentamos às colegas o planejamento do trabalho das origens étnico-raciais dos alunos da escola Professor Dietschi.

O referido planejamento foi muito bem aceito e ali mesmo já trocamos algumas idéias de como executarmos nós três esse trabalho. No outro dia novamente nos envolvemos com a proposta: eu trouxe dois livros didáticos onde abordavam o tema, com algumas atividades, a colega da 4ª série fez uma pesquisa na internet e descobriu um site bem interessante sobre os sobrenomes: www.oguru.com.br/significados/sobrenomes.php e pensamos em utilizá-lo para nossas turmas. A colega professora do 3º ano deu mais algumas idéias sobre gráficos de dados, pois tem formação matemática.
Combinamos então de enviarmos a entrevista aos pais naquele fim de semana e acrescentamos mais uma pergunta às demais: se os pais sabiam a origem dos seus sobrenomes.

Marcamos prazo para a próxima quarta-feira e ficamos no aguardo.

Nessa mesma sexta-feira fiz uma roda de conversas através da Hora do Conto.
Apresentei a história “Gentes” de Márcia D’Haese. Explorei antes a capa: o que vemos da história que está contida aqui através da capa? Após as respostas dadas de que seria a história de um menino, que fala de futebol, de brincar, e de muitas outras coisas, concluíram os alunos. Disse-lhes que falava de muitos meninos e de muitas outras pessoas também.

Logo no início a história nos conta que moramos no Planeta Terra. Questionei aos alunos quem mais morava ali, responderam em uníssono: nós todos! E fomos conversando... Depois mostra uma página cheia de pessoas, de várias idades e etnias, de muitas diferenças físicas, de outros tantos locais do mundo. Aqui vamos incluindo na história contada a história de cada um dos alunos. Conforme vamos passando o livro de mão em mão, cada um vai procurando identificar um tipo diferente de pessoa ali contida.

Enfim, encontraram muitas pessoas diferentes: novas, velhas, brancas, pretas, loiras, morenas, grandes e pequenas, bebês e avôs, adultos, mãe, avó, indiano, chinês, japonês, afro-descendentes, cabelo curto, comprido, olhos claros e escuros... Muitas diferenças foram sendo identificadas! Aqui fui questionando aos alunos nas suas diferenças físicas e raciais, na aparência de cada um e com quem se pareciam.

Após muita conversa entre as diferenças ali encontradas, os alunos concluíram que somos parecidos com nossos parentes, herdamos das nossas famílias a aparência física, os costumes, a culinária, os hábitos. E que cada um pode ser diferente porque cada um tem uma família e constrói a sua história ali, depois da família é que se mistura com os outros.

Nessa roda de conversas também questionei aos alunos o que lembravam de ouvir os pais contarem sobre suas famílias. Apenas dois alunos se aventuraram a contar alguma coisa, os outros disseram não ouvir nada sobre isso em casa.
Então enviei o tema de casa que era a entrevista aos pais, explicando cada uma das perguntas ali contidas.

Já me surpreendi logo na segunda-feira quando alguns alunos me entregaram a entrevista “pronta”. Uma delas completa, outras três pela metade. Essas aqui eu devolvi aos alunos dizendo-lhes que os pais teriam tempo até na quarta-feira para responderem, visto que não estavam completas. As meninas (três) me disseram que a mãe não sabia responder. Então eu lhes disse que fossem até a avó, pois ela com certeza saberia responder.

Assim as entrevistas foram retornando. As que estavam incompletas fui devolvendo e pedindo que revissem junto com os pais, que os próprios alunos poderiam ajudá-los, pois já tínhamos conversado sobre tudo o que estava ali e eles tinham condições de explicar aos pais o que era.

Na sala dos professores as colegas do 3º ano e da 4ª série não estavam satisfeitas, pois as entrevistas não tiveram o retorno esperado. Coloquei das entrevistas que eu recebi e disse que estava bem satisfeita com o resultado. Avaliamos que deveria ser um pouco de ansiedade das colegas, e que reavaliassem o que tinham recebido.

Levei para nova roda de conversas uma letra de música do Toquinho: “Gente tem sobrenome” que fala exatamente do sobrenome das pessoas. Exploramos oralmente os sobrenomes de todos os alunos. Aproveitei e contei-lhes do sobrenome alemão do meu pai, que herdou de seu pai e de seus antepassados, e do sobrenome português da minha mãe. Questionei se sabiam a origem dos seus, disseram que não. Aproveitei e disse que os pais saberiam e que perguntassem a eles, pois nossa entrevista estava quase pronta para conhecermos essas informações todas.

Então no dia 03 de junho fizemos a nossa “Roda de Conversas das Origens Étnico-Raciais da nossa turma”. Retomei aqui a letra do Toquinho “Gente tem sobrenome”. E utilizei um texto informativo “Quem somos nós?” da Enciclopédia Britânica. Tivemos um bate-papo bem sério com esse texto. Pois ele trata das diferenças entre as pessoas, complementando nossas conversas que tivemos até aqui. Claro que o texto já estava defasado, antigo que é, mas utilizei o que me interessava e descartei o que não interessava.

Nessa conversa iniciamos com o manuseio das fotografias, onde fomos identificar quem estava ali fotografado e com quem se parecia. O manuseio das fotos foi um momento mais fraco, visto que somente quatro alunos trouxeram as fotografias. Como eu pressentia isso, que as famílias iriam rejeitar essa parte, separei e levei muitas fotografias da minha família. Alguns alunos explicaram que a mãe não deixou levar. Mas manuseamos essas poucas fotografias e identificamos com quem se pareciam os alunos que ali estavam.

Após esse primeiro momento utilizei as entrevistas e fomos conversando. A cada pergunta e resposta fizemos uma conversa entre todos. Com relação às origens raciais, concluímos nesse bate-papo que todos os alunos têm em seus ancestrais origem indígena, alguns afro-descendentes, outros alemães, italianos e franceses.
Nas entrevistas obtivemos também alguns ensinamentos dos pais aos filhos que se resumiram nesses:
· Importância do trabalho na vida de todos
· Valorização da escola
· Respeito aos outros, independente de sua raça ou condição social
· Solidariedade
· Hábitos e costumes perpetuados
· Honestidade
Conclui junto com os alun
os na nossa roda de conversas que todos nós temos origens indígenas, pois somos todos brasileiros, herdamos essa origem étnica de nossos antepassados que foram os primeiros habitantes das terras brasileiras. E que a herança racial européia está presente em nossas famílias na descendência italiana, alemã e francesa. E a herança africana também se faz presente, vinda dos negros trazidos da África.

Em todos os momentos das nossas conversas não apareceu nenhum preconceito racial, quanto às origens dos alunos. Um único aluno, afro-descendente manifestou um “certo ar de tensão” quando um dos colegas referiu-se aos africanos chamando-os de negros. Eu mesma confirmei essa fala, visto que a cor do povo africano e a afro-descendência mostra em seus traços essa cor, uns mais escuros, outros nem tanto, mas tem diferenças de tonalidades e que podem ser chamados de negros, pois faz parte da sua história, da história do povo africano. Salientei que devíamos todos nós reconhecermos nossas cores de pele, visto que isso é herdado de nossa família, por isso, muito importante de se reconhecer.

Alguns alunos se surpreenderam com as repostas dos pais, pois não sabiam que havia em suas famílias determinadas etnias, como no caso a francesa. Outros confirmaram que sabiam que seus antepassados eram índios. Outro, afro-descendente, descobriu que tem as origens indígenas, africanas, italiana e alemã, visto que a família e originária da região serrana de Caxias do Sul.
Ainda não concluímos nosso trabalho sobre as origens étnicas dos nossos alunos dos anos iniciais na escola Dietschi, ainda temos algumas atividades a dar conta, mas já estamos bem afinados com o tema e os alunos já estão dentro dele.

Já organizei o painel no corredor:
“Quem somos nós” com:
· Fotos da família,
· Letra da música “Gente tem sobrenome”,
· Texto informativo das origens familiares e raciais,
· Ensinamentos dos pais,
· Local de nascimento dos pais e alunos em texto,
· Legenda no Mapa Múndi dos países originários dos nossos ancestrais.

As colegas irão acrescentar seus resultados também no corredor, e ainda vamos trabalhar os mapas dos locais de nascimento e os gráficos e pesquisar sobre as peculiaridades desses lugares específicos.

Através desse trabalho pude perceber o quanto é importante os alunos conhecerem a formação do povo brasileiro em sua essência, e saberem-se parte dessa história, conversando abertamente sobre a variedade de características físicas e culturais que herdaram de seus antepassados reconhecendo também as lutas do seu povo para resgatar sua valorização como participante da formação da nossa brasilidade.

Trago uma fala de Santos (p.100, 1997) que diz da relação da beleza e branquidade parece ser algo natural, mas que não o é, essa naturalização é o resultado de um longo trabalho discursivo que constituem a “branquidade como natural”. Santos afirma ainda na p. 96 que “embora ocorram alguns movimentos que visam a valorização da cultura e da identidade negra” a branquidade ainda é definida como parâmetro, como naturalmente natural...” Nessa fala percebemos e entendemos o quanto a televisão, a mídia, tem poder de influenciar nas nossas vidas, reforçando através de suas novelas, os modelos aceitos como naturais: a branquidade é que detém melhor emprego, melhor lugar, é mais bem vista.

Mas percebemos que aos poucos isso já vai mudando. Já temos muitas novelas mostrando os negros no mesmo patamar dos brancos, existem vários atores e atrizes que conseguem garantir lugar a si e aos outros nessa luta por igualdade de oportunidades, independentes de cor, etnia, raça...

Gostaria de trazer aqui um episódio que aconteceu quando confeccionamos nosso mosaico das raças na sala: conforme íamos colando as nossas gravuras, imagens de pessoas que recortamos, eu ia questionando os alunos: quem é essa pessoa? Como ela é? O que vemos? Como está vestida? E fui colocando outros questionamentos também. Ao final da colagem das figuras, questionei vários pontos e na questão apontem a pessoa mais rica do painel, todos apontaram para uma mulher cheia de jóias, muitos enfeites dourados, negra. E depois: agora que saber a pessoa mais bonita daqui, perguntei. Todos apontaram para uma mulher lindíssima! Também negra. Meus alunos aqui ficam de fora da colocação de Santos, de que “branquidade é natural”. Penso que isso deve-se ao fato de morarmos num lugar pequeno, que acolhe a todas as pessoas, independentemente de suas origens raciais. Não vemos casos de preconceito e racismo em nossos alunos pequenos, pode ser que ao crescer enfrentem essas questões, mas por enquanto isso ainda não ocorre, no meu modo de perceber essa questão.

Talvez ao tratarmos as questões étnico-raciais com naturalidade, enfatizando a discussão em sala de aula seja um bom momento de trazermos as questões raciais mais claramente resolvidas em nosso cotidiano escolar, assim como a aluna Luciane Andréia Ribeiro Leite fez em sua turma. Também podemos possibilitar uma boa conversa que renda frutos de “reflexão étnico-racial” em todos os alunos, independentemente de sua cor, e isso vai lhes ampliar a compreensão de que todos nós somos diferentes em nossa individualidade, especificidades e particularidades. E que todos temos o direito de sermos o que somos, o importante é resolver isso conosco mesmos e junto com os outros todos, no conjunto.

Para concluir penso ter atingido meu objetivo maior com esse trabalho que foi o de resgatar e enfatizar a importância do povo negro e do povo indígena na nossa formação cultural, salientando nossas diferenças e especificidades familiares.

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