segunda-feira, 22 de junho de 2009

Questões Étnico-Raciais 2

“Na verdade, a gente deve aprender que não existem coisas insignificantes e que todos os seres vivos fazem parte da grande teia da vida da qual não somos donos, apenas um de seus fios.”
Daniel Mundurucu


Marilene Paré em seu texto “Auto-imagem e auto-estima na criança negra; um olhar sobre o seu desempenho escolar” nos coloca as dimensões presentes nos alunos negros, dimensões essas que a autora constatou através das entrevistas que realizou.
A autora nos afirma que as histórias dos alunos que ela própria entrevistou lhe abriram feridas não cicatrizadas de aprendizagens da sua vida, que também são da vida deles e de todo o povo africano, trazido a força para aqui povoarem o nosso país.
Eu, ao contrário da autora, também me emocionei ao realizar a tarefa das entrevistas, mas pelo outro lado: branca, trago em minhas origens ancestrais um resquício indígena, pelo lado materno, povo que também traz uma história de perdas físicas e materiais: tratados como selvagens, domesticados feito bicho, trocaram nosso território por batons, enfeites, perfumes. Parece-me que pouco lutaram, nada fazendo para manterem, segurarem o que era seu de direito, sua terra, sua casa, seu sustento! Totalmente o inverso do povo africano, que pelo menos lutou pela sua liberdade, perdendo o jugo dos algozes na busca por uma vida digna. Ganhando com isso o direito de ser recompensado pela abolição, embora contestada ainda hoje pela afro descendência brasileira, mas que legalmente lhes deu liberdade de viverem sem dono, com seus esforços.
Nós, descendentes dos índios não tivemos a mesma sorte. Por quantos anos fomos marginalizados, sem terra, sem reconhecimento da cultura, sem nem ao menos expandir nossa raça, nossas crenças e cultos? Poucos sabem e fazem uso de costumes, tradições e ritos indígenas, senão as tribos que ainda vivem na mata, afastados dos centros urbanos, relegados a uma vida pedinte e mendigante: pedindo terras que eram suas ao Governo (que ainda se encontram nas mãos dos grandes fazendeiros!) ou nas ruas, vendendo seus artesanatos por míseros trocados. Sem nenhum tino comercial, sentam-se nas beiras das calçadas e nem levantam a cabeça para fazerem propaganda dos seus produtos. Numa apatia total. Num silêncio mudo.
E ouso dizer que fiquei muito feliz pelas respostas dos alunos que entrevistei. M desafia aos colegas e a escola dizendo que não quer ser negra. Nega sua cor, sua identidade afro, sua história ancestral e a oportunidade de ser mais feliz na sua infância, sem tanto sofrimento de vidas passadas (dos seus antepassados). Mas sua negação tem “atitude”: não me deixo vencer. Mesmo que talvez sua luta seja consigo mesma em não admitir que sua cor não tenha nenhuma vinculação com não ser menos que o outro, embora a história que o povo afro-brasileiro carrega seja de muita tristeza e degradação. Penso que M sentiu-se abalada quando eu mesma - a professora, o adulto, e não uma criança da sua estatura - lhe confirma que é preta. Pois essa afirmação fez com que voltasse para mim seus olhos, até então os tinha desviado, e pudesse, quem sabe, pôr essa sua certeza em dúvida: talvez eu não seja tão ruim sendo preta. Pois acredita na professora e nos adultos e alguma coisa dita por uma criança pode ser que não seja tão verdade assim!
Enfim, espero que após nossa conversa, M possa pensar um pouco mais sobre sua descendência, suas origens e confrontar com a minha. Tomara M tenha acreditado quando lhe falei que seu povo ancestral foi mais corajoso que o meu: fugindo da dor e da degradação imposta por um tempo em que isso era absolutamente normal (o povo era bárbaro e roubava tudo o que pudesse, com sua força, seu exército, vencia o mais forte e ficava com todo o prêmio que pudesse amealhar: terras, fortuna, mulheres, sonhos, esperanças...).
O aluno E, na nossa conversa, assumiu uma postura bem diferente de M: não negando sua cor, mas esperando que a professora diga claramente o que quer saber! E isso foi um ponto muito relevante, pois aqui pude ver que eu (a professora) também fui cheia de rodeios, e isso poderia ser dito assim: “talvez eu não quisesse me comprometer com a luta dos alunos diferentes em sua cor”. Com isso E me obrigou a encarar o assunto de frente, exigindo (através de seus devaneios, da sua atitude “não sei do que estás falando”) que eu verbalizasse a pergunta.
Com E também percebi o quanto pode ser ferido um menino, que não sabe ainda porque é diferente dos irmãos e da mãe e não tem o referencial negro do pai junto de si. Penso que se o pai de E fosse presente em sua vida ele (E) poderia mostrar aos amigos, colegas e vizinhos que sua cor tem uma origem: é igual ao pai. Assim E sente-se diminuído por essas circunstâncias que ele próprio ainda não entende como adversas: não tem origem familiar presente da sua cor, portanto não tem identidade afro palpável, perceptível. Portanto, assim como essa origem está só no plano imaginário, então pode permitir-se esses devaneios, passando a ideia de que não sei o que eu sou. Mas E sabe muito bem da sua origem: seu pai não lhe reconheceu, então não reconhece sua cor.
Espero que E possa ir aos poucos identificando e internalizando essas questões referentes ao seu nascimento, a sua história pessoal, e que possa identificar sua descendência afro-brasileira, aumentando sua auto-estima e melhorando sua auto-imagem. Que nossa conversa-entrevista possa produzir alguns questionamentos ao longo da vida de E, e ele possa recontar sua história aos seus descendentes com muito mais felicidade.
Já com K eu posso ter certeza de que continuará muito feliz, na sua cor, na sua descendência. E que construirá sua história nesses termos: sou feliz com a tonalidade da minha pele, que me identifica frente ao mundo e que me difere dos outros tons de pele.
Que eu possa melhorar minha prática em sala de aula com essas lições que M, E e K me proporcionaram nesse trabalho, relativas à condução de atividades que possibilitem aos alunos encontrarem em suas origens a sua história, e que possam contá-las sem medo de ser discriminados, na escola ou fora dela, permitindo assim que os alunos possam modificar sua própria história com atitudes de luta. Garantindo assim que sejam os próprios donos da sua vida e da sua história. Que possam escrever uma nova história da sua descendência, onde não apareçam os horrores do passado, mas sim suas lutas, sua identidade, sua imagem e auto-estima recuperadas. Revividas, reconstruídas pelo tempo e pela história da humanidade, da civilidade e da justiça.
Conforme as dimensões encontradas Por Marilene Paré, E e K são vítimas de preconceito racial. E nas piadas que ouve dos amigos, e K pela repetência. M sofre preconceito social, pois reflete em si o “status inferior”.
Quanto aos sentimentos originários da discriminação, E sofre pelo desgosto das piadas, M na vergonha de ser negra e na conformação de K, traduzida numa única fala.
Na proteção materna frente às situações de discriminação E diz que a mãe fica brava com as piadas e a mãe de M vai até a escola exigir da professora que não chamem a filha de preta. K demonstra essa dimensão no incentivo ao trabalho e os aconselhamentos da mãe.
Nas relações interpessoais libertadoras ou inibidoras do processo de aprender, os alunos E e M são muito bem sucedidos, seu desempenho escolar é relevante, chamando atenção pela inteligência e facilidade de aprendizagem. São os alunos mais ágeis na realização das tarefas, desenvolvem as atividades com rapidez e acerto. K apresenta dificuldade de aprendizagem, mas conta com muito ajuda da professora, que lhe dá uma maior atenção nas aulas.
Na percepção de si e a consciência de suas potencialidades os alunos entrevistados demonstram entendimento de que são inteligentes e esforçados nos estudos.
Ao término da primeira parte do trabalho posso dizer como Marilene Paré que: “cada entrevista era única”, pois cada um dos alunos mostrou, falou da sua origem familiar, racial, contando suas lembranças, revivendo fatos passados, que os tornaram o que são agora, nesse tempo presente.
Depois das entrevistas é que fui ler os textos sugeridos, por absoluta falta de tempo de fazê-las antes, e registro aqui a fala de Marilene Paré: “A educação de final de milênio, nas Américas, parece necessitar de maior qualificação no que diz respeito à abordagem afro-cultural.”
Não usando de desculpas, posso dizer o seguinte referente à colocação a cima: vindos da escola que viemos, não tivemos uma formação diferente de algumas posturas que adotamos relativas aos assuntos da formação racial, étnica e identitária do nosso país. Mas temos algumas oportunidades de estudo e de aprendizagem que nos permitem uma releitura da nossa prática, que pode permitir a alguns professores ousarem nesse sentido: promover um novo fazer em sala de aula, admitindo as diferenças étnicas e fazendo nova história desse tema.
Para finalizar, gostaria de concluir que essa entrevista individual seria um bom exercício a ser desenvolvido com todos os alunos, independente de sua cor, da sua diferença, pois nos mostraria na medida exata como estão todos os nossos alunos na sua auto-imagem, no grau da sua auto-estima e a sua identidade étnica. Poderíamos assim, auxiliar em casos específicos, para, como nos diz Marilene Paré “fazer brilhar o diamante interno da própria auto-imagem e auto-estima do aluno que por mim passar”e também a minha própria como professor.

Bibliografia
PARÉ, Marilene. Auto-imagem e auto-estima da criança negra: um olhar sobre o seu desempenho escolar. E Dimensões da expressão afro-cultural.

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